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Um, Dois, Três: Alice! - foto SeCom Itajaí |
UM, DOIS, TRÊS: ALICE! - DO JOGO À LINGUAGEM POÉTICA
por Marco Vasques
A Téspis Cia de Teatro é uma das mais profícuas e longevas companhias
de teatro catarinense. Estão na estrada desde 1993 e conseguiram produzir uma
linguagem muito própria. Inicialmente, a Téspis começou trabalhando com
adaptações de textos clássicos, o que atendia suas necessidades e investigações
cênicas e, em 2009, começou também a trabalhar com dramaturgias próprias.
Tanto o movimento de adaptações quanto o de criar sua própria dramaturgia
fortaleceram ainda mais a companhia. Seus espetáculos transitam entre o teatro
lúdico e poético dedicado ao público infanto-juvenil, até a um teatro mais
experimental e existencial. A companhia vê o teatro como uma forma de
entender o mundo e entender-se no mundo. Assim, ao longo desses 24 anos, a
Téspis mantém-se firme na busca por esse entendimento.
Lewis Carroll, de onde vem a inspiração para o espetáculo Um, Dois,
Três: Alice!, viveu entre 1832 e 1898. Nos 66 anos de sua vida ele foi
romancista, contista, fabulista, poeta, desenhista, fotógrafo, matemático,
professor e reverendo anglicano. As múltiplas funções não o impediram de
escrever uma das obras mais icônicas da literatura mundial: Alice no país das
maravilhas. Trata-se de um mundo gigantesco de fantasia, cor, nonsense, que
se desdobra em muitas leituras possíveis e que devido às inúmeras adaptações,
sobretudo para o cinema, ainda vive no imaginário popular e erudito. Foi lida
por gente antagônica como Oscar Wilde e Rainha Vitória. Alice no país das
maravilhas ganhou o mundo, mas sua obra-irmã, Alice através do espelho, em
que a personagem se vê diante de um espelho mágico em uma festa e o
atravessa para, novamente, adentrar seu mundo das maravilhas é menos
conhecida, lida e difundida.
O espetáculo Um, Dois, Três: Alice!, que a Téspis apresentou no Teatro
do Sesc, durante do 5° Festiva Brasileiro de Teatro Toni Cunha, é um mergulho
livre nestas duas obras. Uma das primeiras coisas a se ressaltar em Um, Dois,
Três: Alice! é o cuidado e o respeito ao universo infantil. Dito assim, pode
parecer pouco, mas é muito, sobretudo, porque o teatro feito para crianças, não
raro, tende a idiotizar e pasteurizar o riquíssimo universo da criança. Todos
fomos crianças - ou temos uma ao nosso redor - e sabemos muito bem que o
jogo, o feérico, a capacidade de ver o mundo sob perspectiva não contaminada
pela razão e o encontro com as coisas de forma desinteressada são característica
que, quando crianças, aguçam nossas sentidos, curiosidades e olhares.
Ao explorar quatro camadas bem definidas: música, imagem, gesto e
palavra, o espetáculo leva em consideração justamente esse jogo com os
sentidos, com a curiosidade e com a construção de novas miradas, outras
moradas. Para cada um desses elementos citados encontramos uma partitura
específica, mas que recebe um tratamento dramatúrgico preciso e equilibrado.
A opção por reduzir ao máximo o campo verbal e ampliar os recursos
lúdicos por meio de imagens e da expressividade dos atores, faz com que
entremos num mundo sugerido, num mundo a ser explorado, num mundo que
pode ser inaugurado e apreendido de muitas maneiras. Mais uma decisão
acertada do grupo em não se acomodar em contar uma história de forma linear,
além de manter evidente consonância com o universo inventivo da Alice.
Apenas no campo musical encontramos alguma dissonância em relação
ao todo de Um, Dois, Três: Alice!. Bastante linear e renitente, a trilha sonora do
espetáculo se torna, em alguns momentos, pesada em demasia e contrasta com
a ludicidade e com o mundo feérico apresentado.
Os atores Denise da Luz, Jônata Gonçalves e Cidval Batista Jr., muito
exigidos em suas interpretações, estão soltos em cena para o jogo. Em
português, “atuar” se distanciou um pouco de “jogar”, mas em outras línguas,
como o inglês o francês, a mesma palavra serve para as duas ações, que tem
muito mais semelhanças do que diferenças. A noção de jogo, tão explorada por
Jean-Pierre Ryngaert e tida por Denis Guénoun, sobre tudo no livro O teatro é
necessário?, como o princípio primeiro da prática teatral está presente no
trabalho do início ao fim.
Jogar-atuar são funções culturais que acompanham a humanidade desde
sempre. Imaginação, invenção, mentira são extensões possíveis da ação de
jogar-atuar. E o teatro, talvez seja a arte que tenha mais proximidade com essas
ações, que as usa como matéria-prima, alimento mesmo de sua existência. Um,
Dois, Três: Alice! é uma mergulho aberto, límpido nesse mundo amplo do jogo,
o que demonstra que a Téspis fez uma leitura aprofundada dos textos de Carroll,
que em primeira instância tem como questões centrais: a discussão sobre
linguagem, a inauguração de mundos e a reinvenção da linguagem denotativa e
saturada, com isso, a Téspis consegue com Um, Dois, Três: Alice! dar ao
pequenos, e aos adultos, o direito ao jogo e à linguagem poética.
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Um, Dois, Três: Alice! - foto SeCom Itajaí |
FICHA TÉCNICA
Dramaturgia e encenação: Max Reinert
Atuação: Denise da Luz, Jônata Gonçalves e Cidval Batista Jr.
Figurinos: Denise da Luz
Vídeos e animações: Leandro de Maman
Operação Técnica: Guilherme Raphael Caldeira
Cenotecnia: Fer-Forge
Assessoria de Imprensa: Jônata Gonçalves
Fotografia: Fernanda de Freitas Pereira
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