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Apto 401 - foto Marcos Porto |
APTO 401 – A RECUSA AO CONVITE
por Marco Vasques
por Marco Vasques
Na sinopse do espetáculo Apto 401, encontramos os seguintes dizeres:
“haverá chapeuzinhos, bolo, bebidas, língua de sogra... Ela assoprará as velas.
Venha, você é a convidada. Venha, você é o convidado.” E é justamente aqui que
cabe a primeira reflexão sobre o espetáculo, pois ele propõe um convite ao
espectador, se propõe como um ato de compartilhamento, no entanto, é
construído de forma a ignorar completamente os participantes. Torna-se uma
recusa ao convite. Convida-nos, mas não nos faz entrar e participar da festa.
Antes de todo o público entrar no teatro, uma integrante do grupo pede
que entrem apenas cinco mulheres, que serão as amigas da atriz Valéria de
Oliveira, adentrem por primeiro. Logo após as amigas, sete homens serão
convidados a entrar, serão os ex-maridos. Somente após esse ritual o público
remanescente é autorizado e convidado a se aconchegar. No entanto, esse ritual
se torna inócuo e não revela nenhuma consequência no decorrer do trabalho, já
que ex-maridos e amigas terão uma participação tão passiva diante do trabalho
quanto o restante do público.
Nas cadeiras: brigadeiros, chapeuzinhos e bebidas. Ao fundo vídeos
evocando Medeia, Lady Macbeth e Ofélia. Valéria de Oliveira nos recebe
dormindo. Sim, ela nos chama para a sua festa, com promessas de
compartilhamento, e nos recebe dormindo. Isso não seria necessariamente um
problema caso se conectasse dramatúrgica e metaforicamente com o seu
suicídio ao final do espetáculo. Mas isso também não acontece. Talvez fosse um
registro irônico, mas a ironia pressupõe contexto e alguma abertura no sentido
da mensagem. Não foi o caso apresentado.
Há a evocação de uma Medeia, que mata os filhos para se vingar de seu
marido Jasão; de Lady Macbeth, que trama com o seu cunhado o assassinato de
seu marido no que poderíamos chamar, metaforicamente, de um golpe de
estado; e de Ofélia, a filha de Apolônio, que é encontrada morta num rio ao
descobrir as inconstâncias do amor e da vida. Porém a evocação dessas
mulheres e seus mundos não atravessam o espetáculo, não dialogam e não se
conectam com a ação em curso em Apto 401.
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Apto 401 - foto Marcos Porto |
Osmar Domingos, que assina a direção, não consegue estabelecer uma
organização na infinidade de elementos que se apresentam, que vão desde as
referências já citadas ao universo da música romantic-pop. Há muitos
desencontros na estética proposta, por exemplo, o trabalho reclama para si um
ar de performatividade, mas estaciona suas partituras no ato representacional e
cenários, por exemplo, no registro realista.
A atriz Valéria de Oliveira, há 13 anos à frente do Grupo Porto
Cênico, em seu primeiro solo da carreira decide por não arriscar as
potencialidades e se apresenta tímida em sua atuação. É preciso que ela
encontre a força expressiva de sua arte, de sua personagem e traga isso a
público. Apto 401 sugere, em alguns momentos, que a discussão em questão,
que a inquietação do grupo é sobre a condição da mulher e os abusos a ela
impostos por uma sociedade machista e dominadora.
Mas isso fica como mera sugestão em duas cenas: uma em que Valéria de
Oliveira dobra meias e cuecas de seus ex-maridos. Único momento em que o
espetáculo propõe algum jogo com o sete homens selecionados no início e na
cena em que ela quase usa, mas de forma incipiente e sem jogo, as suas amigas
como coro ao relatar que em sua vida há a representação de todas as suicidas,
todas as mulheres que atiram suas cabeças ao gás do fogão, todas as mulheres
que cortam seus pulsos, todas as mulheres que morrem de overdoses de
remédios, enfim, nesse momento aparecem pistas por onde o espetáculo
pretende caminhar.
Mas são apenas pistas, frouxas, sem domínio interpretativo, sem uma
direção consciente de seu papel, sem algo que estabeleça relações com as
infindáveis referências trazidas gratuitamente ao palco e, sobretudo, sem o
convite prometido ao público, que sai do espetáculo da mesma maneira que
entrou, ou seja, com impressão de que não foi ao teatro, porque tudo lhe é alheio.
FICHA TÉCNICA
Dramaturgia: Osmar Domingos e Valéria de Oliveira
Direção, cenografia, iluminação: Osmar Domingos
Atuação, figurinos, adereços: Valéria de Oliveira
Canção original: Aline Barth
Comunicação: Karoline Gonçalves
Fotografia: Ana Beatriz de Oliveira
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