sábado, 28 de outubro de 2017

Crítica: Apto 401

Apto 401 - foto Marcos Porto
APTO 401 – A RECUSA AO CONVITE
por Marco Vasques

Na sinopse do espetáculo Apto 401, encontramos os seguintes dizeres: “haverá chapeuzinhos, bolo, bebidas, língua de sogra... Ela assoprará as velas. Venha, você é a convidada. Venha, você é o convidado.” E é justamente aqui que cabe a primeira reflexão sobre o espetáculo, pois ele propõe um convite ao espectador, se propõe como um ato de compartilhamento, no entanto, é construído de forma a ignorar completamente os participantes. Torna-se uma recusa ao convite. Convida-nos, mas não nos faz entrar e participar da festa.

Antes de todo o público entrar no teatro, uma integrante do grupo pede que entrem apenas cinco mulheres, que serão as amigas da atriz Valéria de Oliveira, adentrem por primeiro. Logo após as amigas, sete homens serão convidados a entrar, serão os ex-maridos. Somente após esse ritual o público remanescente é autorizado e convidado a se aconchegar. No entanto, esse ritual se torna inócuo e não revela nenhuma consequência no decorrer do trabalho, já que ex-maridos e amigas terão uma participação tão passiva diante do trabalho quanto o restante do público.

Nas cadeiras: brigadeiros, chapeuzinhos e bebidas. Ao fundo vídeos evocando Medeia, Lady Macbeth e Ofélia. Valéria de Oliveira nos recebe dormindo. Sim, ela nos chama para a sua festa, com promessas de compartilhamento, e nos recebe dormindo. Isso não seria necessariamente um problema caso se conectasse dramatúrgica e metaforicamente com o seu suicídio ao final do espetáculo. Mas isso também não acontece. Talvez fosse um registro irônico, mas a ironia pressupõe contexto e alguma abertura no sentido da mensagem. Não foi o caso apresentado.

Há a evocação de uma Medeia, que mata os filhos para se vingar de seu marido Jasão; de Lady Macbeth, que trama com o seu cunhado o assassinato de seu marido no que poderíamos chamar, metaforicamente, de um golpe de estado; e de Ofélia, a filha de Apolônio, que é encontrada morta num rio ao descobrir as inconstâncias do amor e da vida. Porém a evocação dessas mulheres e seus mundos não atravessam o espetáculo, não dialogam e não se conectam com a ação em curso em Apto 401.
Apto 401 - foto Marcos Porto

Osmar Domingos, que assina a direção, não consegue estabelecer uma organização na infinidade de elementos que se apresentam, que vão desde as referências já citadas ao universo da música romantic-pop. Há muitos desencontros na estética proposta, por exemplo, o trabalho reclama para si um ar de performatividade, mas estaciona suas partituras no ato representacional e cenários, por exemplo, no registro realista.

A atriz Valéria de Oliveira, há 13 anos à frente do Grupo Porto Cênico, em seu primeiro solo da carreira decide por não arriscar as potencialidades e se apresenta tímida em sua atuação. É preciso que ela encontre a força expressiva de sua arte, de sua personagem e traga isso a público. Apto 401 sugere, em alguns momentos, que a discussão em questão, que a inquietação do grupo é sobre a condição da mulher e os abusos a ela impostos por uma sociedade machista e dominadora.

Mas isso fica como mera sugestão em duas cenas: uma em que Valéria de Oliveira dobra meias e cuecas de seus ex-maridos. Único momento em que o espetáculo propõe algum jogo com o sete homens selecionados no início e na cena em que ela quase usa, mas de forma incipiente e sem jogo, as suas amigas como coro ao relatar que em sua vida há a representação de todas as suicidas, todas as mulheres que atiram suas cabeças ao gás do fogão, todas as mulheres que cortam seus pulsos, todas as mulheres que morrem de overdoses de remédios, enfim, nesse momento aparecem pistas por onde o espetáculo pretende caminhar.

Mas são apenas pistas, frouxas, sem domínio interpretativo, sem uma direção consciente de seu papel, sem algo que estabeleça relações com as infindáveis referências trazidas gratuitamente ao palco e, sobretudo, sem o convite prometido ao público, que sai do espetáculo da mesma maneira que entrou, ou seja, com impressão de que não foi ao teatro, porque tudo lhe é alheio.

FICHA TÉCNICA
Dramaturgia: Osmar Domingos e Valéria de Oliveira
Direção, cenografia, iluminação: Osmar Domingos
Atuação, figurinos, adereços: Valéria de Oliveira
Canção original: Aline Barth
Comunicação: Karoline Gonçalves
Fotografia: Ana Beatriz de Oliveira

Apto 401 - foto Marcos Porto

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